sexta-feira, 3 de outubro de 2014

EMOÇÃO DE UM TRANSPLANTADO

EMOÇÃO DE UM TRANSPLANTADO

Em 25 de setembro de 2014, coincidentemente data do meu aniversário, o Hospital São Rafael, em Salvador, BA, comemorou o dia do transplantado. Participei do evento, como modesta tentativa de exprimir minha gratidão a todos que contribuiram para meu bom estado de saúde atual e, principalmente, em condições para viver e ser feliz.
Foi um encontro com vários depoimentos, por diversos transplantados, de variados órgãos; fígado, rins, córnea, pâncreas, medula; transplante duplo, e até sequenciado, um é depois outro. Alta emoção estava presente em todas as falas, e culminou, no coração de todos, quando foi anunciado um depoimento presencial, daquele que fora,  até aquele momento, alvo de gratidão de todos, um doador: Um jovem com aspecto extremamente saudável e bem humorado veio nos testemunhar a sua alegria e gratidão de ter podido contribuir com aquela causa, todos se impressionaram com sua alegria e disponibilidade, para doar-se em forma de medula óssea, plaquetas e sangue, e mantendo-se, como todos viam, cheio de bem estar e, sobretudo, feliz.
No fim dos depoimentos, cabia a mim dizer algumas palavras de gratidão. Preparei-me com afinco desde a véspera. Elaborei previamente algumas "linhas-guia" para me orientar, e segui confiante sobre o conteúdo, porém fiquei muito emocionado com as narrativas. Pensei, parece que meu tema, gratidão, já está bem preenchido por todos. Que teria eu a acrescentar? Confesso: bateu uma autocrítica severa, mas não esmoreci.
Chegando ao pódio, mal conseguia falar. Lembrei-me que, na véspera, enquanto me preparava, Dôra, minha mulher, que sempre me acompanhara e lá me olhava fixamente, me apresentara um texto que lhe viera à inspiração, durante meu ato operatório. Foi minha salvação, Pedi para lê-lo e também usou o tempo para traduzir nossa homenagem ao Dr. Luiz Guilherme Lyra, mentor do meu transplante, falecido enquanto viajamos. Quando tomei a palavra, já calmo e seguro, segui fielmente à minha idéia preparada, sem olhar as anotações e enriquecendo-a com minhas inspirações sobre o amor, sua fonte, o próprio Criador, a síntese que nos foi dada por Seu Filho nos mandamentos da Boa Nova.
Lembrei-me também de uma menção carinhosa, sem citação de nomes e números, ao primeiro transplantado do mundo, em 1967, na África do Sul, que com sua curta sobre-vida de 18 dias, Louis Waskanski, 53, tanto ajudou aos cientistas, da equipe do Dr. Christian Bernard,  no aperfeiçoamento da técnica que finalmente nos favoreceu. Todos aplaudiram em aprovação aos pensamentos, não meus próprios, mas frutos de uma inspiração muito bem vinda e iluminada. Adiante, vai a recuperação daquele texto que havia preparado com antecedência.
Antes de iniciar minha fala, quero compartilhar com todos uma mensagem que recebi de uma querida prima da mesma idade que eu, transplantada três anos antes de mim, quando lhe pedi um dica sobre o que dizer, neste momento, a vocês.
"Só lembrei de uma frase de Guimarães Rosa: 'Viver é um rasgar-se e remendar-se' Estou 'remendada' há 4 anos e muito feliz por estar viva.
Agradecida por ter recebido este presente maravilhoso de um doador anônimo: um fígado em bom estado. E também, a todos os que me ajudaram nas fases antes, durante e depois.
Me sinto abençoada."
Seu nome é Mary Lou Tolentino C. Rebelo.
Esta, quase irmã, junto com com o muito saudoso e referido Dr Luiz Lyra e, de modo especial, minha mulher, foram decisivos na minha aceitação deste, que considerava naquele tempo, tão arriscado tratamento.
Até ainda há pouco, não sabia se o dia de hoje era do transplante ou do transplantado. Num caso ou noutro, acho que, o grande merecedor de todas as homenagens é doador. Não que que ele tenha necessariamente feito qualquer esforço para isso. Mas, nos dá o que tem de mais valioso, vida, que possibilita nossa existência continuada.
Assumimos, deste modo, responsabilidades por duas continuidades: da nossa vida original, e da parte deles, que em nós está presente.
Devemos, também, os transplantados, uma homenagem e imensa gratidão aos profissionais de saúde de todas as categorias, especialmente os médicos, pela desmedida dedicação e extenso aprofundamento intelectual que possibilitaram e, temos certeza, cada vez mais, possibilitarão, de modo crescente e seguro, conduzir está maravilhosa conquista científica, de que fomos merecedores, perante ao Pai Criador.

Paulo Tolentino Vieira, um transplantado de fígado, 25/09/2014