sexta-feira, 11 de agosto de 2017

PORTUGAL - ENCONTRO DA MINHA LÍNGUA
Paulo Tolentino de Souza Vieira,
Porto, Portugal, agosto de 2017.

Não precisa ser exímio linguista, nem muito afeito à fina gramática portuguesa - absolutamente, não sou! -, para, retornando a Portugal, me deliciar - entre muitas coisas - com variações linguísticas sentidas por mim, um falante do bom “baianês”. Basta pouca atenção e, evidentemente, gosto pelo assunto!


É um “passeio” pela linguagem de Portugal, na cidade do Porto, numa sensação prazerosa, como se eu estivesse a aprender um novo e rico idioma, que, na verdade, nada mais é do que é o meu nativo. Muito bem falado.  ...e escrito, por sinal!

Na cadência do falar, no sotaque e pronúncia, percebe-se certa sibilação, que muito lembra o nosso “carioquês”, especialmente o usado nas regiões centrais do Rio. Caracteriza-se, também uma cerração de lábios, como se estivessem a proteger-se dos choques térmicos das baixas temperaturas. Aceleração no ritmo é, tradicionalmente, das características mais notadas. O hábito da contração das primeiras vogais (a ou e), ou mesmo deixá-las como mudas, quando iniciais, como nas palavras Kfé (Café), Spato (Sapato), Puis (Pois), Stá (Está), Psoa (Pessoa), Prtugal (Portugal), Culega (Colega), soam como numa música (Lsboa, bela cdade…). Um encanto à parte!

Nisso tudo, a minha nostalgia, retorna, ao modo do falar do meu querido avô paterno, Antoninho Vieira, que embora não fosse um autêntico lusitano de berço, muito estava influenciado culturalmente pelo convívio de 3 irmãos, seus amicíssimos, de uma família portuguesa, que quase o tinha quase como mais um deles, desde a juventude, a família Ruas, cujo ramo baiano muito cresceu e prosperou. A esse propósito, lembro, também desse som saboroso, pelo o reforço cultural que tive pouco mais tarde, por meio de grandes e importantes contatos continuados que meu pai, Oldegar Franco Vieira, professor universitário, fez  com colegas portugueses, em missões de intercâmbio cultural e diplomático, colegas estes que se transformaram em amigos queridos de toda nossa família - contatos que, como adolescente, participei curiosíssimo! Toda essa recordação reavivada tocou muito profunda e agradavelmente à minha emoção.



No vocabulário usual daqui, percebo o uso muito frequente de palavras que já nos vão em desuso ou em vias disso. Arrisco-me a perceber esse fenômeno, como um maior fidelidade à etimologia original.

Outras Estruturas soam peculiares, como o uso dos verbos no infinitivo, com preposição, para estabelecer continuidade durante o presente, ao invés usar de gerúndio, como nós fazemos. Por exemplo: Estás “a falar”, ao invés de Estás “falando”. Evitam, também, outras formas próximas do gerúndio, como: ´Atenção ao “fecho” automático’, em lugar de ‘atenção ao “fechamento” automático’.

No vocabulário aqui usual, vejo também que as palavras, usadas no Brasil, são, geralmente, as mesmas, ou guardam construção etimológica análoga. A frequência do uso de certos vocábulos, ao invés dos seus sinônimos que adotamos é que marca uma preferência lusitana por certas formas, que nos parecem novas, ao menos no cotidiano!

Referindo-se a transportes, encontramos formas como: AVIONETA (Teco Teco), ATERRAR (Aterrissar), DESCOLAR (Decolar Avião), CADEIRA (Poltrona - de avião), AUTOCARRO (Ônibus), COMBOIO (Trem), ELÉTRICO (Bonde) METRO (Metrô), PARAGEM (Ponto de embarque e desembarque), PORTAGEM (Pedágio), GARE (Estação ferroviária), PASSADEIRA (Faixa de Segurança), PEÃO (Pedestre), PEDONAL (de pedestres), CARRINHA (Automóvel-Van ou Furgoneta), ALCATRÃO (Asfalto), CAIS DE EMBARQUE (Plataforma - Ferroviária).

Nas compras, vem: LOIÇA (Louça), CAMISOLA (Camisa ou camiseta), CUECA (Cueca ou calcinha), Peúga (Meia para os pés),  GELADO (Sorvete), PAPEL TOALHA (Papel higiênico), PAPEL HIGIÊNICO (Papel Higiênico), ÁGUA FRESCA (Água gelada), CAIXILHARIA (Esquadrias), LAVANDARIA (Lavanderia), PREÇÁRIO, Lista de preços, CAFETARIA (Cafeteria), PREGO (Bife no pão), GALÃO (Copo de Café com Leite), FIAMBRE (Presunto), REMODELAR (Reforma - de casa, por exemplo), PLADUR (Dry Wall - Estuque),

Lidando com a burocracia, aparecem: CONCELHO (Município), FREGUESIA (Bairro), CÂMARA MUNICIPAL (Executivo e Legislativo de um Concelho), JUNTA (Unidade administrativa de uma freguesia), DISTRITO (Estado - apenas referência territorial - não há instituição executiva nem legislativa), INCOMODAR (Ativar, desacomodar, usar - uma instituição ou repartição pública), IMPOSTO MUNICIPAL (IPTU - só), TERRITORIAL (Relativo a todo o país continental), EQUIPA (Equipe), CONTROLO (Controle), PLANEAR (Planejar), REFORMA (Aposentadoria), COMPROVATIVO (Comprovante), MORADA (Residência), GABINETE (Escritório), UTENTE (Usuário), DESCONFIAR (Não suspeitar, nem confiar), ALEGADAMENTE (Supostamente).

Falando de pessoas, surgem: IRRESPONSÁVEL (Desobrigado - somente isso, sem conotação depreciativa), DESCONFIAR (Não suspeitar nem confiar), GAJO (Cara - rapaz), RAPARIGA (Moça Jovem), LESADOS (vítimas), PÍCARO (Malandro), PUTOS (Crianças - somente no masculino ou coletivo. - nunca no individual feminino, por favor!), MIÚDOS (Crianças).

Sobre lugares e outras sutilezas:  RELVA (Grama) RELVADO (Gramado), PRACETA (Pracinha), ARMAZÉM (Depósito), SÍTIO (Local), LÁ (Aí ou ali), CÁ (Aqui), SEIS (Meia dúzia), TELEMÓVEL (Telefone Celular).
O EURO! Não posso deixar de me referir às unidades de valores monetários, pelo muito que contribuem para a perfeito entendimento da maioria das grandezas envolvidas na linguagem. Como a moeda da maioria dos países europeus, o Euro costuma ter uma valorização muito superior ao Real, do Brasil, sempre que atribuímos um valor econômico a algo, necessitamos estar sempre elaborando raciocínios parecidos com os de uma tradução linguística para clarificar suficientemente o tamanho do que estamos falando.


Enfim, à título de comentário de fechamento deste texto, mas, nunca, da reflexão sobre tão importante assunto, Percorri pequenas veredas de um imenso espaço que é a linguagem básica de uma cultura de união entre povos parentes, não somente pelos laços de origem, como por uma vivência amiga, sempre facilitada por uma comunicação marcada por elevada carga de sentimento - não é a toa, que o significado da nossa palavra “saudade” não encontra uma versão perfeita em significado, em qualquer outra língua do mundo.

Saudade! Deus me permitiu que, brasileiro de berço, viesse a abrandar tal sentimento atávico, agora me aproximando daquela que também é, como uma mãe terra, e do seu povo o lusitano.

3 comentários:

  1. Texto excelente!
    Presta-se quase como um guia linguístico inicial para visitantes e migrantes.
    Como curiosidade, encontrei em uma padaria a alguns quilômetros ao Sul do Porto 9em direção a Lisboa), o nosso "pão cacetinho", que imaginava uma designação exclusivamente baiana. Comentei isso coincidentemente hoje e a minha nora (catarinense) disse que o termo é também usado pelos gaúchos, talvez herdeiros todos da influência daquela região de Portugal.

    ResponderExcluir
  2. Obrigado, irmão, vou ver se acho o pão "cacetinho" daqui.
    Também o acreditava uma invenção do "baianes"!
    Agradeço também os elogios ao texto.
    Estamos juntos,sempre!

    ResponderExcluir
  3. Maravilhoso. Agradecida pelo excepcional e enriquecedor " passeio" linguistico.

    ResponderExcluir